sábado, 25 de fevereiro de 2012

A Paixão pelo Botão

Tenho um gosto pelos botões que ultrapassa o entendimento de qualquer pessoa que viva no século XXI, com toda a moderna tecnologia, zipes, molas e velcros! Vejo o botão como um objeto em si e não apenas aquele triste que se enfia numa casa para segurar a roupa no lugar.

Podia apostar que quase nenhum de vocês se lembra dos botões que cruzaram a sua vida...
Mas voltemos atrás, muitos anos atrás.

Os primeiros botões que marcaram a minha vida apresentavam-se na sua embalagem de origem, ainda cosidos nos pequenos cartões originais por ordem de tamanhos. Havia-os de todos os feitios e materiais, belos à vista, agradáveis ao tato: os de vidro faziam-me lembrar pedras preciosas translúcidas ou leitosas, os de madrepérola furta cores e elegantes, os de madeira esculpidos, os de metal prateados ou dourados, elegantes e distintos. Possuía um verdadeiro tesouro de guerra numa caixa de sapatos.
Foram dados a mim-menina por uma senhora que eu passaria a chamar de "grand-mère" para todo o sempre, que os tinha guardado em lembrança da sua retrosaria que fora fechada aquando da Primeira Guerra Mundial, numa zona de ocupação alemã.

À noite, no aconchego da cozinha, em cima da mesa castanha de fórmica, espalhava os cartões como num jogo misterioso de que nem eu sabia as regras. Olhava os meus preciosos botões, sentia-lhes a maciez ou a frieza metálica, ordenava-os e imaginava em que trajes se destacariam mais. Assim construía histórias com fardas e vestidos de gala nos meus serões de menina só. Nunca me passou pela cabeça tirá-los dos seu suporte, ali pertenciam.

Os meus primeiros pontos foram dados a coser botões angariados ao sabor da sorte, numa espécie de livro construído por mim, com páginas de retalhos de tecidos. Tecidos estes, oriundos de tenebrosas expedições à gaveta dos panos de cozinha da minha mãe. Nunca percebi o aborrecimento da minha mãe que devia querer guardar os seus panos sensaborões e sem ponta de fantasia.

O tempo foi correndo na paz dos botões e na volta também li um célebre romance que se chamava "La Guerre des Boutons", traduzido devia ser "A Guerra dos Botões".
Veio o meu tempo de sair de casa e viajar para estas paragens, deixei os meus botões para trás como quem deixa amigos, porque não me cabiam na bagagem de jovem universitária. Pensei que os meus pais saberiam o apreço que tinha por aqueles botões e não precavi de avisar que deveriam ser conservados até a minha volta ou trazidos para cá. Afinal os meus pais não sabiam, e inexplicavelmente deitaram para o lixo o meu pequeno tesouro. Chorei aqueles amigos que tinham perdurado na história do tempo e feito parte da minha vida, guardei mágoa pela indiferença do gesto.

Mais tarde e já na universidade, veio-me uma paixão pelos botões forrados e tentei reconstituir o meu espólio de guerra na loja da minha nova rua:  "O Rei dos Botões". Infelizmente não se pode substituir botões amigos por outros quaisquer.

Os materiais nobres são caros e até o simples plástico feito botão é uma exorbitância. Guardo para sempre um gosto pelas retrosarias e o hábito de recuperar tudo o que é botão-orfão para guardar em frascos de vidro.
Se um dia lhe der qualquer coisa com um botão... aprecie o gesto, porque ainda hoje tenho dificuldade em desfazer-me de qualquer um, por mais insignificante que lhe pareça. É que não é um botão, é o meu botão.

Bem-vindos ao meu Reino!

4 comentários:

  1. Gostei da incursão pelo conto de fadas que nos ofereces. A poesia em ti tem td a ver com esses mundos de flores e cores, aromas e sabores, pequenas artes e fantasias, doces e leves. Mulher menina e artista.

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    1. É mesmo o meu mundo da lua, refúgio para os dias em que a realidade esmaga! Fazer "arte" leva-me para longe. :) beijinhos

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  2. Eu tive o provilégio de receber alguns dos seus botões. e guardo-os lá... os de madreperola.. e a joaninha que me deu.
    Entendo-a. A preciosidade da vida contida nos pequenos tesouros que ninguem reconhece e que apenas brilham para nós... os botões.. as chaves... e tudo o resto que é precioso para nós e que temos de guardar com afinco para não se perderem ou serem simplesmente deitados fora com o rótulo de serem "lixo".
    Gosto de si. Gosto de si porque me entende. Porque a entendo também. O amor às pequenas e simples coisas. à comida. ao aconchego das palavras e da vida.
    O sumo fresco e natural de uma laranja comida sob um raio de sol.é assim que nos vejo. e por nos ver assim sou infinitamente grata.

    um beijinho doce, abotoado.

    Ana.

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    1. E eu tive o privilégio de conhecer alguém infinitamente merecedor dos meus botões. Lembro-me muitas vezes desses, porque sei que estão em boas mãos e porque gosto de ti! Os botões abotoam-nos nesses pequenos nadas que poucos sabem apreciar.
      Beijinhos muito doces!

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