Tenho um gosto pelos botões que ultrapassa o entendimento de qualquer pessoa que viva no século XXI, com toda a moderna tecnologia, zipes, molas e velcros! Vejo o botão como um objeto em si e não apenas aquele triste que se enfia numa casa para segurar a roupa no lugar.
Podia apostar que quase nenhum de vocês se lembra dos botões que cruzaram a sua vida...
Mas voltemos atrás, muitos anos atrás.
Os primeiros botões que marcaram a minha vida apresentavam-se na sua embalagem de origem, ainda cosidos nos pequenos cartões originais por ordem de tamanhos. Havia-os de todos os feitios e materiais, belos à vista, agradáveis ao tato: os de vidro faziam-me lembrar pedras preciosas translúcidas ou leitosas, os de madrepérola furta cores e elegantes, os de madeira esculpidos, os de metal prateados ou dourados, elegantes e distintos. Possuía um verdadeiro tesouro de guerra numa caixa de sapatos.
Foram dados a mim-menina por uma senhora que eu passaria a chamar de "grand-mère" para todo o sempre, que os tinha guardado em lembrança da sua retrosaria que fora fechada aquando da Primeira Guerra Mundial, numa zona de ocupação alemã.
À noite, no aconchego da cozinha, em cima da mesa castanha de fórmica, espalhava os cartões como num jogo misterioso de que nem eu sabia as regras. Olhava os meus preciosos botões, sentia-lhes a maciez ou a frieza metálica, ordenava-os e imaginava em que trajes se destacariam mais. Assim construía histórias com fardas e vestidos de gala nos meus serões de menina só. Nunca me passou pela cabeça tirá-los dos seu suporte, ali pertenciam.
Os meus primeiros pontos foram dados a coser botões angariados ao sabor da sorte, numa espécie de livro construído por mim, com páginas de retalhos de tecidos. Tecidos estes, oriundos de tenebrosas expedições à gaveta dos panos de cozinha da minha mãe. Nunca percebi o aborrecimento da minha mãe que devia querer guardar os seus panos sensaborões e sem ponta de fantasia.
O tempo foi correndo na paz dos botões e na volta também li um célebre romance que se chamava "La Guerre des Boutons", traduzido devia ser "A Guerra dos Botões".
Veio o meu tempo de sair de casa e viajar para estas paragens, deixei os meus botões para trás como quem deixa amigos, porque não me cabiam na bagagem de jovem universitária. Pensei que os meus pais saberiam o apreço que tinha por aqueles botões e não precavi de avisar que deveriam ser conservados até a minha volta ou trazidos para cá. Afinal os meus pais não sabiam, e inexplicavelmente deitaram para o lixo o meu pequeno tesouro. Chorei aqueles amigos que tinham perdurado na história do tempo e feito parte da minha vida, guardei mágoa pela indiferença do gesto.
Mais tarde e já na universidade, veio-me uma paixão pelos botões forrados e tentei reconstituir o meu espólio de guerra na loja da minha nova rua: "O Rei dos Botões". Infelizmente não se pode substituir botões amigos por outros quaisquer.
Os materiais nobres são caros e até o simples plástico feito botão é uma exorbitância. Guardo para sempre um gosto pelas retrosarias e o hábito de recuperar tudo o que é botão-orfão para guardar em frascos de vidro.
Se um dia lhe der qualquer coisa com um botão... aprecie o gesto, porque ainda hoje tenho dificuldade em desfazer-me de qualquer um, por mais insignificante que lhe pareça. É que não é um botão, é o meu botão.
Bem-vindos ao meu Reino!